domingo, 26 de outubro de 2008

Virginia Jorge

Entre 2005 e 2007 um curta-metragem capixaba saiu arrebatando platéias pelo Brasil, até chegar no exterior. “No Princípio Era o Verbo”, uma história composta de outras três, foi projetada nas telas e acabou projetando a roteirista e diretora Virgínia Jorge. Da cineasta em questão, um amigo já disse: ‘você é a mais mexicana das britânicas’. Parece que a mistura na personalidade deu certo. E foi profícua para a arte.
Era uma tarde quente de março, dessas que fazem famoso o verão brasileiro. Num dos pontos da cidade de Vitória chamado Ilha das Caieiras, o verão parecia não transcorrer em sua normalidade de carnaval, férias, praia, turistas… Pelo menos durante uma semana, quem morava ou passava por ali pôde ver um dos bares da região ter a porta e todas as outras entradas de ar e luz cobertas por pano preto. Lá de dentro, o código do segredo vinha gritado: Silêncio! Ação! Corta! Também se ouviam risadas.
Algo se desvendava.
O que não podia ser desvendado é que, além do sol, do pano preto e do calor humano de aproximadamente 20 pessoas, o ambiente também era aquecido com alguns mil watts de luz, formando uma caixa isolada do mundo, onde, facilmente, um termômetro marcaria 50°. Também não se podia adivinhar que dentro daquela caixa quente, sob outra ainda menor, feita de papelão, um menino se ajoelhava, colava o ouvido no chão e escutava o que os chineses falavam do outro lado do mundo.
Coisa de cinema!Certamente era.
Essa foi uma das cenas do filme “No Princípio Era o Verbo” de Virgínia Jorge, produção que projetou para o Brasil e para o exterior, o talento dessa capixaba procedente de Brasília. Mas essa história começa bem antes, em tardes talvez não tão quentes como aquelas, mas tão criativas quanto.
Desliguem os celulares, o filme vai começar. Pra vocês, Virgínia Jorge Silva Rodrigues, editada.
Para usar a linguagem de cinema, em plano aberto, ela diz não se lembrar de grandes acontecimentos na infância, ao menos os que possam parecer grandes numa tela de cinema, mas, fechando o quadro, lembra até hoje do cheiro do lápis de aquarela usado pela artista plástica de quem, do nome, ela não recorda. Lembra também que tinha uma ceramista alemã, a Mônica (Von Gliski) e um pintor famoso de nome Loio Pérsio (um dos precursores do abstracionismo informal na arte brasileira, falecido há alguns anos) desenhando seu pai.
Isso tudo acontecia em Manguinhos no início dos anos 80, quando o balneário, uma vila de pescadores, ficou famoso por abrigar artistas e intelectuais. Celsão e Claudia, pais de Virgínia, estavam entre eles. Vieram de Brasília e estavam morando lá. A menina, naturalmente, participava e observava a cena e seus atores. “Essas são as minhas lembranças de infância, de ficar jogando pedrinha no mar. Lembro de ser mais quietinha, de apanhar das outras crianças. Lembro que alguém me disse que os filmes não eram feitos na seqüência, que filmava um plano, depois outro plano e depois juntava os pedaços. Lembro de ficar dias encanada com aquilo…como é que cola depois? Não pode ser. Então eu decidi que a pessoa que me falou era mal informada, resolvi que não era verdade. Como que podia juntar tudo depois?”
Não tire conclusões apressadas, não foi a partir desse questionamento que ela foi tomada pela magia da sétima arte, esse é apenas um exemplo de como estava imersa nas conversas e na vivência com as artes e seus artistas. Manguinhos estava repleto deles e Virgínia se encantava por todas as formas de expressão, “Eu brinco que esse negócio de fazer cinema é porque eu sou artista frustrada né?! (risos) Artista porque eu queria ser música, não fui; queria ser pintora, não fui; queria ser atriz, (risos) não fui. Como não sei desenhar, sou cantora mediana e não sou atriz, então eu fui dirigir, descobri que podia contratar todo mundo pra fazer e ficar na criação, na coordenação da parada (risos)”.
A brincadeira vale, mas, falando sério, “o cinema vem muito daí na minha vida, porque o cinema eu acho que é um lugar onde dá pra confluir tudo, é essa brincadeira de você poder brincar de todas as artes. O que eu consideraria a minha arte é essa coisa da harmonia, do ritmo, que sempre foi uma coisa que me encantou em todas as artes”. Essa brincadeira exige talento, ela sabe. E Virgínia tem talento. Talento e sensibilidade pra perceber o que está a sua volta e isso vem sendo delineado em sua personalidade desde a infância. Uma vez, quando tinha 7 anos, foi reclamar direto com a coordenadora da escola sobre algo que tinha acontecido fora da sala de aula. A professora soube e colocou a menina de castigo, afinal, ela queria ter sido a primeira a saber. A análise da Virgínia foi a seguinte: “deixa pra lá, ela tá só preocupada em manter o poderzinho dela”. Coisas de quem está com os olhos bem abertos.
Elipse! (não dá pra resistir a elipse ao falar de uma cineasta). À parte de ter uma infância “mais voltada pro sonho” - como ela mesma define - e cinema ser sonho impresso em material sensível (olha como são as coisas, a película usada na filmagem é chamada de material sensível), o gosto pelas artes também determinou ou, ao menos, contribuiu muito para que Virgínia estivesse hoje fazendo cinema. Então, vamos falar de cinema. Elipse da infância pro início da juventude.
Corte seco, próxima seqüência.
Quem morava em Vitória no fim dos anos 90 e estava envolvido com vídeo, jornalismo, publicidade, curiosidades e áreas afins, deve se lembrar de um curso promovido pela Secretaria de Estado da Cultura, o “Filme Escola Labirintos Móveis”, que produziu uma película de mesmo nome. Foi lá que muita gente que despontou num novo cenário cinematográfico da ilha se encontrou: Virgínia Jorge, Erly Vieira Jr, Lizandro Nunes, Úrsula Dart, Alessandra Toledo, entre outros. O curso foi um marco pra muita gente. Dali alguns saíram buscando seus caminhos nas áreas de direção, fotografia, roteiro, produção, som, enfim, a primeira dose da cachaça chamada cinema tinha sido tomada.
Houve então uma renovação no cinema capixaba. Depois dessa primeira dose, já não dava mais pra viver sem a fita crepe, o saco de areia e a 3T (pergunte a quem faz cinema sobre a importância desses 3 itens num set de filmagem). “Por isso que as pessoas dizem que é cachaça, porque depois que você passa, escolhe aquela vida com todas as atribulações, é cachaça mesmo. É viciante, é uma endorfina que jogam no sangue da gente, uma plenitude do sonho mesmo”.
O caminho foi sendo trilhado e, logo depois, em outro filme escola, Vivi (usemos o apelido, já sabemos até histórias de infância) percebeu que era como diretora que queria estar no set, “Pra mim foi muito marcante a primeira vez que eu disse ‘Ação!‘ Era um filme escola, ‘O Enforcado’, que foi a primeira vez onde eu arvorei querer ser diretora, porque até então eu queria fotografia. O (filme) “Labirintos” já tinha me marcado com isso. A gente dizia ‘Ação!’ e aquele trem todo começava a se desenrolar na nossa frente. Aquilo menina… olha, até hoje quando eu falo, me emociono. Eu me senti inteira arrepiar e foi de um negócio, de uma felicidade, coisa do sonho mesmo. É assim que eu me sinto quando eu tô no set, que eu posso fazer tudo. Eu digo ação, eu digo corta, as coisas começam e param, é como você ser Deus. Um trem doido de lindo”.
Com tanta adrenalina na veia e já dependente, só lhe restou seguir. Sua filmografia ainda não é extensa, ela é nova, mas como resistir aos sets de filmagem? Vieram então os filmes ‘De Amor e Bactérias’ que roteirizou e dirigiu; “Macabéia” de Erly Vieira Jr, onde dividiu a direção com Erly e Lizandro Nunes; vários curtas e longas produzidos em Vitória e no Rio, cidade onde atuou em diferentes funções, entre elas: “O Resto É Silêncio” de Paulo Halm”(1ª assistência de direção e casting) e no longa “2 Perdidos numa Noite Suja”, de José Jofilly (2ª assistência de direção), entre muitos outros.
Depois de muito ‘ação’ e ‘corta’, Virgínia escreveu e dirigiu “No Princípio Era o Verbo”, o filme que a projetou e foi premiado em grandes festivais brasileiros e, até mesmo, fora de terras tupiniquins.
Mas antes de falar do ‘Verbo’, vale aqui uma pausa: para fazer casting e assistência de direção no curta-metragem “O Resto é Silêncio”, de Paulo Halm, Virgínia aprendeu a linguagem de sinais para se comunicar com os atores surdos/mudos. Já em “No Princípio era o Verbo”, o roteiro foi ‘traduzido’ para braile, já que os atores Fábio Mattos e Darcy do Espírito Santo - que compunham o casting - eram cegos.
Ok, a pausa foi acionada para ilustrar a dedicação da Vivi aos projetos em que ela mergulha. Voltemos então ao ‘Verbo’.
O filme teve 13 prêmios, entre eles “Melhor Curta-metragem em 35mm” segundo a crítica no 8º Festival Internacional de Curtas de BH; “Prêmio Especial do Júri”, “Melhor Roteiro” e “Prêmio Aquisição Canal Brasil”, no 34º Festival de Cinema de Gramado; “Melhor Direção de curta-metragem” e “Melhor Filme de curta-metragem” no 11º Festival Brasileiro de Cinema de Miami e o “Grande prêmio vencedor” do 1º AXN Film Festival, onde concorreu com produções latino-americanas.
Leia na legenda que entre os jurados do festival AXN, estavam Guillermo Arriaga, roteirista de “21 Gramas”, “Amores Perros” e “Babel”, além de Fernando Meireles, de “Cidade de Deus”, entre outros.
Reconhecimento é bom. Quem não gosta?
Mas, sem deslumbramentos, os prêmios foram o reconhecimento a um trabalho que exigiu quatro anos de dedicação, num caminho nem sempre plano. Afinal, glamour só existe depois do filme pronto e no escurinho do cinema, “É um negócio muito caro, muito complicado e foi muito penoso pra mim, porque foi muito longo. Eu fiquei muito tempo sem saber como eu ia terminar o filme (por falta de dinheiro). Filmei em março de 2003 e fui finalizar em agosto de 2005, e eu escrevi em 2001. Então quando eu tava pra terminar o ‘Verbo’, realmente eu dizia que se fizesse de novo é porque eu tava doida e que me internassem. Mas aí o “Verbo” foi muito bem aceito, e eu não tive mais como. Eu vi que não sabia fazer mais nada e aquilo que eu sabia fazer, é difícil, é penoso, mas a gente tem que lidar com o que a gente tem e procurar a via mais serena, mais poética, mais tranqüila de lidar com isso”.
Com a sessão iniciada, onde podemos reconhecer Virgínia Jorge em seus filmes?
Pra começar, é preciso falar de suas referências: Buñuel, Lars Von Trier, Kusturica (esse último a mais forte das influências), “eu queria ser tão boa quanto ele porque ele consegue falar do país dele, das coisas dele. Ele consegue ser metafórico e humano”. Virgínia também quer falar das coisas do Brasil.
Depois de fitar sua obra (a da Virgínia), eu me arriscaria a fazer uma analogia, não com um diretor e sua obra, mas entre Vivi e uma personagem: a de Audrey Tautou em “Amélie Poulain”. As duas estão atentas e dispostas a perceber o que tem de poesia no atropelo do dia a dia, como quando Amélie olha pras nuvens e adivinha o formato de cada uma, sob sua ótica, é claro.
“Eu acho que até agora, no meu cinema, me interessa falar disso, falar do sonho, falar do pequenininho”.
E são várias pequenas coisas que Virgínia vê ou ouve e busca a essência pra então colar, uma após a outra, em seus filmes, dando sentido próprio aos retalhos recortados por olhos e ouvidos, “Normalmente o que me move são as cenas, as pequeninas coisas que eu quero falar do que vi. Geralmente os meus filmes são sobre alguma coisa que vi, que li, ou de uma conversa que pesquei na esquina. ‘De Amor e Bactérias’ tem isso, a idéia principal vem de um conto do Camus. Uma cena que é da velha quando jovem, vem de um conto do Murilo Rubião, e a frase final é do Sartre. ‘No Princípio Era o Verbo’ também, o menino na caixa eu vi na rua, a conversa da roda eu ouvi o comecinho dela às 7 da manhã numa banca de jornal. Essas coisinhas me marcam muito”.
Assim Vivi vai tecendo suas histórias, percebendo o mundo real a sua volta e colocando tudo num mundo de sonhos, reajeitando as pequenas coisas. Segue também arquivando os causos e, como boa contadora deles, vai aumentando os pontos, é claro, “O ‘Verbo’ é isso, um monte de gente inventando, criando as explicações mais esdrúxulas, mas são as explicações deles, que eles acreditam. E isso pode ser uma tragédia, dependendo das circunstâncias, mas no caso especificamente do Brasil, eu acho que a gente cria as coisas de maneira tão diletante, tão infame, tão despretensiosa, tão absurda, tão deliciosa, que é assim: eu tô num botequim e o cara sabe mais que eu e eu não vou deixar ele com essa empáfia toda, saber mais que eu. E cria-se toda uma cultura popular tão vigorosa que sempre me encantou profundamente. A gente é contador de histórias”.
Inclusive, pra fazer essa matéria, ela me contou várias.
Na prática, a teoria deu certo. Tanta observação do cotidiano aliada a ritmo e noção de conjunto, impressos em material sensível, lhe rendeu os seguintes comentários de dois importantes cineastas latino-americanos, do corpo de jurados do 1° AXN Film Festival:
“Son de esas historias que te abren la retina… mis poros se abrieron y empezaron a tragar más emociones, más ideas“. (Claudia Llosa/Peru)
“No sabemos si sus personajes fueron inventados por el director o estaban allí en el momento que decidió filmar“. (Carlos Oteyza/Venezuela)
A vida segue com seus pequenos momentos aos olhos de quem está disponível para vê-los.
Flashback.
A essa altura você já deve (acho eu) ter se perguntado se não vou falar nada sobre a Virgínia Jorge vestida de Frida Kahlo na capa desta revista. Acontece que além da notada semelhança com a pintora mexicana - como você pode perceber - reconhecida principalmente pelas largas sobrancelhas que se juntam sobre os grandes olhos, há outras semelhanças, nem tão aparentes.
Aqui a gente para tudo, flashback, adolescência: quando Vivi tinha 11 anos se matriculou na yoga. Chegou de lá com um bilhete alertando sobre um problema na coluna. Aproximadamente dois anos, diagnósticos e colete depois, passou por uma cirurgia no Hospital Sara Kubitschek, em Brasília. Ela tinha mais de 60° de escoliose, e a cirurgia (artrodese) consistia em algo como soldar um certo número de vértebras de modo a corrigir parcialmente o desvio e impedir que ele aumentasse. Para isso, implantam hastes na coluna, fazem enxertos com tecido e envolvem tudo com musculatura (leigamente falando, por favor). Passou pela cirurgia e pela recuperação sem traumas. Um ano de colete antes da cirurgia, seis meses de gesso depois cirurgia. A vida segue.
E afinal de contas, sua paixão nunca passou pelos esportes, preferia se encantar com a sonoridade das palavras. Quando as aulas estavam chatas fazia listas de proparoxítonas com o amigo Rodrigo Linhales, “Peripatético, lívido, cálido, estereótipo. A gente ficava horas fazendo lista de proparoxítona, que são as palavras mais bonitas, né?!” Fala rindo, dando força a cada uma delas.
A semelhança com Frida (a que está no rosto) foi percebida pela 1ª vez num festival de cinema na Europa. Um homem se aproximou no meio de um bar e disse: - “te conheço. Olhei pra cara dele e falei, desculpe, mas eu não te conheço. Ele falou: mas eu te conheço. Aí brincamos com aquela situação toda. Então ele olhou pra minha cara de novo e lembrou, apontou pra mim e disse - Frida Kahlo!” No dia seguinte, Virgínia ganhava de presente do então marido, o roteirista de cinema Paulo Halm, um livro sobre a pintora mexicana. Começava a reconhecer ali semelhanças que iam além da aparência, “abri numa página a esmo, quando vi, era o auto-retrato dela com a haste num lugar muito parecido com o meu, e a haste, como ela desenhou, era muito parecida com a minha. Aí comecei a ler sobre sua vida, de como ela tinha conseguido superar, conseguido viver, na verdade, com essa dor e com o amor por aquele homem mais velho e mais experiente. Na época eu tava casada com o Paulo então isso era uma referência pra mim, o cara que já faz o que ela quer fazer, já é reconhecido por isso, esse amor dos dois, então me senti muito próxima e comecei a pesquisar mais da vida dela, da obra e fiquei absolutamente encantadíssima, orgulhosa de me parecer com ela, nessa coisa do físico, mas também nesse amor pela arte, pelos bichos, pelas flores, pelas cores, esse universo todo que é tão bonito”.
Dizem que as dores começam aos 30, coincidência ou não, foi por aí que elas começaram a dar sinal, mais fortemente, para Virgínia, talvez por ter entrado num processo muito intenso de escrita, ficando horas na mesma posição. O corpo gritou. Vivi fez mestrado na Universidade Federal da Bahia com ênfase em Análise Fílmica. Foi a quarta vez que saiu do Estado pra morar em outro lugar. O resultado foi uma dissertação com mais de 200 páginas. E muita dor. Sua tese era sobre melodrama, sintomático não? Mas, talvez, onde ela mais se assemelhe a Frida, seja na superação, na capacidade de, mesmo na dor do corpo e na incoerência do mundo, transcender, “Eu acho que talvez uma coisa que mais me aproximaria da arte dela, mais do que essa coisa do visual, é essa coisa de querer falar do sonho num mundo que não privilegia mais isso. Falar do devaneio, do inventado, criado, transformar a vida numa coisa mais doce, mais amena, mesmo com toda a doideira que a gente vive”.
No calor de Salvador, escrevia com uma espécie de lençol térmico envolvendo as costas para aliviar as dores, nesta época ela também finalizava o filme “No Princípio Era o Verbo”. Apesar das dores, terminou o que tinha começado, “Quando as dores começaram a vir, como eu sou (risos) mais ou menos atéia… a gente vai ficando frágil, vai ficando crente (risos), é uma coisa muito feia, mas você perdoa porque é do ser humano. Aí, como vieram as dores e eu nunca tive crenças, meu sistema de crenças era vazio, eu não sou nem batizada nem nada, ela (Frida) meio que virou minha santinha mesmo, quando eu sentia muito aperto eu pedia a ela, botava a fotinho - por isso que tem tanta foto de Frida pela minha casa - botava a fotinho e pensava: ela agüentou, eu vou agüentar”. Agüentou. Mais que isso, sacudiu a poeira e deu a volta por cima, está cheia de novos projetos e outras histórias pra contar.
Adiantando pro futuro, são vários os planos. Um roteiro de longa está entre eles, o argumento já está sendo trabalhado e ela pretende viabilizar que outro diretor filme, “ser diretora de um longa, neste momento, não é uma prioridade”. Prefere, por enquanto, roteirizar e dirigir mais curtas. Outro projeto: a direção de um monólogo teatral que foi adaptado pela atriz Fabíola Buzim a partir de um conto de Ivan Ângelo, “A Menina”. O convite feito por Fabíola, que também atuará na peça, veio depois de Virgínia ter trabalhado, em 2007, como assistente de direção e preparadora de atores na peça teatral “Um Forte Cheiro a Maçã”, dirigido por Luis Tadeu Teixeira. Nesse monólogo, “A Menina”, ela faz uma das coisas que mais gosta, a preparação do ator, “trabalho de ator é um negócio que me encanta, a primeira vez que eu vi um ator chorar eu chorei tanto… acho tão bonito o jeito que aquilo os toma… e depois isso se repetiu muitas vezes, de ver um ator rir e rir, de ver um ator chorar e chorar, tanto no cinema em si - que aí é a força da imagem né - mas no set também”.
Para o set Virgínia vai voltar em breve. Seu roteiro, “Dia de Sol”, foi escolhido no 9°concurso de roteiro capixaba do 14° Vitória Cine Vídeo, em 2007 e ela pretende filmá-lo no primeiro semestre deste ano.
Dessa vez a produção será diferente, menos complicada. “Dia de Sol”, tem 1/3 do tempo de ‘No Princípio Era o Verbo’, a equipe também será super reduzida e o filme, rodado em vídeo pra depois ser transferido pra 35mm. Decisões de quem já sabe onde está se metendo. A história permanece no campo das pequenas coisas do cotidiano, “reduzi tudo, mas as histórias continuam as mesmas. Eu tentei fugir disso dessa vez, mas como fugir de si né?(…) Eu acho que eu quero discutir um pouco, sempre no reino da alegoria, da metáfora, quase que indo pro realismo fantástico, essa relação do homem com seu meio. A gente sempre vai pegar o que tá mais próximo da gente, o que temos à disposição no ambiente em que fomos criados pra resolver nossos conflitos, nossos desejos, nossos anseios, os problemas que pintam. É a tua vida que te dá isso. É uma metáfora bem clara, a gente lida com o que a gente tem e a gente pode lidar com isso poeticamente ou pode lidar duramente. Ele (o personagem principal da história) escolhe a forma poética”. Ao que tudo indica, Virgínia também.
Cortes/ montagem
Pra começo ou fim de conversa, tenho que dizer que durante boa parte do papo que gerou essa matéria, Virgínia estava vestida exatamente como você vê na foto. Testes de figurino entre goles de café e cigarros. Nesse dia, interrompemos a conversa porque ela tinha hora marcada pra pegar o Nego - gato preto que trouxe da Bahia - no veterinário. Depois continuamos, com ela vestida dela mesma.
Mas, sabe o que é interessante nessa história toda? Essa é uma radiografia de um momento, de algumas conversas e é também uma edição de tudo que foi dito. Falar da Vivi é falar de contrastes. Mas o próprio nome, Virgínia Jorge, já sugere que eles existem e, saiba, vêm pra somar. Às vezes, também, pra confundir. O corpo é frágil, a personalidade é forte. A mesma voz que quase some e te obriga a fazer leitura labial durante uma conversa mais longa, imita o poderoso Tim Maia. É… a voz é mansa e grave, mas quando ela vem com vontade, vem que nem um furacão. Vem afinada, diga-se de passagem. E as tais histórias em que ela tanto presta atenção não foram ouvidas apenas na padaria ou no jornaleiro, mas também nos melhores botecos da cidade, sendo Virgínia uma boêmia convicta e com gosto.
Hoje mesmo, pra ler este perfil você poderia ter escolhido a voz rasgada da costa riquenha/mexicana Chavela Vargas ou o rock inglês do Arctic Monkeys. Tudo é Vivi. E muito mais. Ainda bem.
Mas se você preferir, faça como Chico e cante: “ela faz cinema, ela faz cinema…”
Fim.
Janaína SerraJornalista e radialista…………………………….
Bônus
Uma das histórias da Virgínia.
O filme era o “Macabéia” e, como acontece em quase todas as vezes durante uma filmagem, alguém parou pra perguntar o que era aquilo e tal. Ela foi respondendo, o diálogo deu-se mais ou menos assim:
- Que que é isso?
- É um filme.
- Que filme?
- Um curta-metragem, um filme pequeno.
- Pra quê?
- Como pra quê, pra passar.
- Passar aonde?
A Vivi saiu e foi pro set. Depois, em algum momento, foi pro computador e escreveu a seguinte resposta:
PRA QUÊ CINEMA?(Virgínia Jorge)
Pra você ver o que eu viPra você ver o quer,Pra se ver várias vezes,Pra se ver o que nunca se viu,
Pra ficar no escuroPra não estar mais na terraPra não ser mais palavraPra chorar escondido
Pra sermos muitos homens e uma tela
Pra gravar silêncioPra filmar a sombraPra imprimir a luzPra se ouvir os passos
Pra bater as portas
Pra parar o trânsitoPra juntar gentePra dizer açãoPra perguntar pra quê
Pra falar mal do governoPra falar bem das pessoasPra ficar quietinhoPra fazer libertoPra fazer cativo
Pra mudar tudoPra entender nadaPra tirar do focoPra comer pipocaPra conversar no bar
Pra contar estóriaPra entrar pra históriaPra dizer mentiraPra gritar verdadesPra insuflar o povoPra escolher a música
Pra encher de luzPra não se ouvir palavraPra juntar as gentesPra alargar a vida.
A história no set terminou com a tal pessoa falando pra Ana Murta, que também trabalhava no filme:
- É por isso que a agricultura não vai pra frente.

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